Reorganização do Judiciário no Ceará é tema de audiência pública

ENCONTRO
19 de setembro de 2017

Em uma audiência pública histórica e bastante concorrida, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Assembleia Legislativa debateu, nesta segunda-feira (18), as alterações na organização judiciária do Ceará. As discussões aconteceram no novo auditório Murilo Aguiar, contando com representações de diversas entidades, entre as quais o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), a Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), o Ministério Público do Ceará, a Defensoria Pública do Estado, a Associação Cearense dos Magistrados (ACM). A Aprece se fez presente por meio de membros de sua Coordenadoria Jurídica. Diversos prefeitos, vereadores e advogados participaram ativamente do encontro.

As modificações debatidas na audiência estão previstas no projeto de lei nº 73/2017, oriundo da mensagem nº 6/17, do TJCE. O projeto prevê, entre outros pontos, a transferência de unidades judiciárias consideradas subdemandadas. Durante o debate, foram externadas grandes divergências. Enquanto o Tribunal defendia a medida por contenção das despesas, e garantindo a agilidade no julgamento dos processos, a OAB-CE questionava a dificuldade do acesso à justiça nas cidades mais afastadas, em concordância com a opinião da grande maioria do público presente na audiência.

Representando o Tribunal, o desembargador Heráclito Vieira explicou os critérios considerados para a reorganização. Segundo ele, a resolução nº 184/2013, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estabelece que os tribunais devem providenciar extinção, transformação ou transferência de unidades judiciárias ou comarcas com distribuição processual inferior a 50% da média do estados.

“As comarcas que serão transformadas têm uma taxa de congestionamento de média de 90%”, informou o desembargador. Segundo ele, os processos passariam para comarcas de maior celeridade. Heráclito Vieira ressaltou que essa é uma questão de gestão processual e não tem o objetivo de dificultar o acesso à Justiça. Ele lembrou também que não é possível criar novas comarcas para descongestionar as existentes devido às limitações orçamentárias impostas pela emenda constitucional nº 88/2016, que instituiu novo regime fiscal do Estado e congelou os gastos públicos por dez anos, impossibilitando a criação de novos cargos.

É importante ressaltar que o Tribunal realizou mudanças no projeto original, a pedido da Assembleia, após pressão da OAB-CE, mas a diferença entre a versão atual e a original, de acordo com o presidente da Ordem, Marcelo Mota, acabou ficando apenas na forma como está exposto, sendo o novo texto ainda mais nocivo. “Pelo novo texto apresentado, a mudança foi apenas na linguagem, uma vez que continuarão existindo comarcas que deixarão de ser sede e passarão a ser vinculadas, numa precarização sem precedentes do Poder Judiciário. Nesse caso, não haverá a obrigatoriedade da atuação de um juiz na comarca vinculada e o próprio acervo de processos estará na comarca sede, bem como a realização de audiências. Além disso, pelo texto apresentado, o Tribunal poderá extinguir ou realocar comarcas por meio de uma mera resolução”, disse.

Em seu discurso, Marcelo Mota foi aplaudido de pé ao manifestar a insatisfação da Ordem cearense com a proposta. “Esse projeto de lei específico é um retrocesso social. Não é esse o Judiciário que queremos. Enquanto cidadão cearense, não tive qualquer felicidade, por exemplo, ao ver o CNJ em números, relativo ao ano de 2016, recém divulgado, onde o Tribunal de Justiça do Ceará está em último lugar de produtividade do país. Só iremos avançar em uma verdadeira melhoria se esse problema for enfrentado de frente, com a presença dos juízes nas comarcas de segunda a sexta-feira, atendendo às pessoas e despachando os processos”, disse.

Para o secretário geral adjunto da OAB-CE, Fábio Timbó, ficou nítido para todos os presentes que o projeto não está maduro. “O Tribunal deve reconhecer que devemos discutir a reorganização do Judiciário, já que são centenas de artigos que devem ser estudados e uma audiência pública é muito pouco para debater um projeto dessa envergadura. Neste momento, a OAB-CE deve ser ouvida pelo Tribunal de Justiça, porque estamos transmitindo a voz do povo do sertão que sente na pele a dificuldade do dia a dia”, ponderou.

O deputado Heitor Férrer (PSB), um dos requerentes da audiência, avaliou que o Judiciário é a instância final de cidadania e, na avaliação dele, as mudanças prejudicam quem mora no Interior. Já o deputado João Jaime (DEM) comentou ser difícil justificar aprovação do projeto, especialmente para a população interiorana.O líder do Governo, Evandro Leitão (PDT), questionou como explicar para a população que fechamento de comarcas poderia melhorar a celeridade dos processos. Para o deputado Joaquim Noronha (PRP), as medidas trazem impacto social em todo o Estado. Ele também questionou se existe relatório de produtividade do Judiciário.

A virtualização dos processos foi uma das medidas propostas pelo deputado Audic Mota (PMDB), antecipando que vai apresentar emenda para garantir o uso da tecnologia a fim de melhorar a produtividade do Judiciário.Segundo o deputado Elmano Freitas (PT), o orçamento destinado à Justiça cearense está em um nível abaixo ao de outros estados. Ele também informou que apresentará emenda para que qualquer mudança futura sobre as comarcas vinculadas seja decidida pela Assembleia Legislativa.

De acordo com o presidente da CCJR, deputado Sérgio Aguiar, esta foi a primeira de três audiências públicas sobre o tema – as outras duas serão realizadas pelas Comissões de Orçamento, Finanças e Tributação e de Trabalho, Administração e Serviço Público.

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